Pioneira na manufatura de roupas para presos do Estado, penitenciária produz 6.000 peças por mês há cerca de 25 anos; iniciativa gera economia aos cofres públicos
Os uniformes vermelhos utilizados por detentos em todo o Estado de Minas Gerais têm sua origem no próprio sistema prisional: as roupas são produzidas por presos em fábricas instaladas dentro de dez unidades. Além de ser uma ferramenta de ressocialização, ao garantir trabalho aos detentos, a iniciativa também gera economia aos cofres do Estado, que deixa de gastar com a aquisição externa dos uniformes.
A pioneira dessa produção é a Penitenciária de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, de onde saem a maior parte das calças que abastecem todo o sistema prisional. De segunda a sexta-feira, das 8h às 16h, 24 presos modelam, cortam e costuram as peças. Depois de pronto, o material é então encaminhado para a Região Metropolitana de Belo Horizonte, de onde é distribuído para todo o Estado. São 26 máquinas alocadas em um espaço de 187 m², produzindo uma média de 6.000 itens mensalmente.
A oficina da Penitenciária de Teófilo Otoni existe desde 1995, e é a mais antiga confecção para usufruto do Estado. A penitenciária funciona em uma antiga fazenda, inaugurada em 1984 nos moldes de uma colônia agrícola. A ideia da produção das roupas partiu de um servidor que é alfaiate e vem de uma família ligada ao ofício. Na época, não existiam uniformes para presos, o que causava certo transtorno, já que dificultava a identificação dos mesmos. “O uniforme padroniza e cria uma identidade quando todos estão iguais”, diz Vicente de Paula Rosa da Silva, o policial penal por trás do projeto.
Vicente conta que quando começou a trabalhar na unidade prisional viu essa necessidade. Ele então conversou com o diretor, explicando que, com material e máquinas, seria possível criar uma fábrica, sendo que ele próprio ensinaria os presos a costurar. “O secretário da época autorizou a compra de maquinário e mais de 500 metros de pano azul royal. Fizemos uniforme para todos os presos e mandamos as fotos para a Secretaria, que gostou da ideia e ordenou que a produção se expandisse para todo o Estado”, lembra.
A cor vermelha, atual tonalidade dos uniformes, também surgiu na Penitenciária de Teófilo Otoni. Por estar localizada em uma área rural, com muita vegetação no entorno, o azul às vezes se confundia com o verde do mato, enquanto o vermelho propiciava um contraste mais forte.
Há 38 anos no local, Vicente já se aposentou, mas retornou ao trabalho. Nestes 25 anos comandando a confecção, ele estima que mais de 10 mil presos aprenderam a costurar. Além de ensinar como fazer os moldes, cortar, costurar e utilizar as máquinas, o servidor também é responsável pela manutenção dos equipamentos e foi quem auxiliou a instalação de confecções de uniforme em outras unidades prisionais do Estado, nos anos 1990.
“O trabalho, em qualquer área, é uma terapia ocupacional para quem gosta. As pessoas mudam sistematicamente, e essa mudança é perceptível pela expressão facial do recluso”, afirma Vicente. “Costumo dizer que todos nós somos produtos do meio em que vivemos, e grande parte dos sentenciados não tiveram sequer uma oportunidade. Por isso a importância dessa produção. De lá, temos uma chance valiosa para mostrá-los o outro lado da moeda”.
Produção interna
Atualmente, a fábrica de Teófilo Otoni só produz calças masculinas. A produção de uniformes é feita em mais outras nove unidades prisionais espalhadas pelo Estado. Lençóis, camisas, bermudas, calças, chinelos e também vassouras e rodos são produzidos por presos. Aproximadamente 40 mil peças saem das fábricas todos os meses. A produção se divide da seguinte forma:
• Penitenciária de Formiga – Camisas;
• Penitenciária Francisco Floriano de Paula, em Governador Valadares – Bermudas;
• Presídio de Itajubá – Camisas;
• Presídio de Caxambu – Camisas, calças e bermudas femininas;
• Presídio de Eugenópolis – Lençóis;
• Penitenciária de Teófilo Otoni – Calças;
• Presídio de Floramar, em Divinópolis – Lençóis;
• Presídio Professor Jacy de Assis, em Uberlândia – Calças e bermudas;
• Penitenciária Doutor Manoel Martins Lisboa Júnior, em Muriaé – Chinelos, rodos e vassouras;
• Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho, em Ipaba – Bermudas.
Duas unidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, em São Joaquim de Bicas, e a Penitenciária José Abranches Gonçalves, em Ribeirão das Neves, também entraram para a lista de fabricações ainda neste ano.
A Diretoria de Trabalho e Produção (DTP), setor responsável por coordenar a manufatura de uniformes do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG), está em tratativas para levar novas confecções para duas unidades com localização estratégica, o que facilitaria a distribuição: a Penitenciária Agostinho de Oliveira Junior, em Unaí, e o Presídio Regional de Montes Claros. Entre os planos da DTP também está o início da produção de tamanhos especiais.
Ressocialização
Mais de 35 anos depois, a Penitenciária de Teófilo Otoni ainda preserva sua estrutura de fazenda. Em suas dependências, há um pomar e um curral, onde 12 presos trabalham. Há também uma fábrica de bloquetes do lado externo, com 10 detentos envolvidos na atividade.
Dentro da unidade prisional, 31 presos laboram na horta e no jardim; outros 47 estão divididos na limpeza, entrega de marmitas, barbearia, reciclagem, manutenção, entre outros serviços gerais; 57 fazem artesanatos na cela e cinco trabalham na cozinha. Uma escola estadual também está instalada na penitenciária, com 151 alunos inscritos.
Patrício Rocha de Souza, de 35 anos, cumpre pena na unidade há cinco anos e atualmente trabalha na lavanderia. Para ele, o ofício muda sua rotina. “É uma oportunidade de manter a minha mente ocupada, aprendendo uma profissão que pode ser usada no futuro”, diz. “O trabalho me mostrou como é gratificante poder fazer parte de algo no qual sou importante, e espero em breve estar trabalhando lá fora para poder ajudar minha família com dignidade e de cabeça erguida”.
Por Fernanda de Paula
Fotos: Carlos Alberto Pereira