As bolsas fogem do convencional e tem como inspiração a grife italiana Missoni
Vinte homens atentos a cada explicação. Duas professoras experientes. Agulhas e rolos de linhas numa oficina de trabalho de uma unidade prisional. É intramuros do complexo penitenciário mais conhecido do Estado que homens estão dedicando parte do seu tempo para produzir bolsas de crochê de fino acabamento. Esqueça a ideia de bolsa de crochê mal feita ou pouco interessante. A produção é inspirada na grife italiana Missoni e as peças agradam aos olhos até dos consumidores mais exigentes. Trinta delas já foram produzidas.
Esta é mais uma atividade laboral que se soma às várias oficinas de trabalho presentes no Complexo Penitenciário Nelson Hungria (CPNH), em Contagem. Linhas, botões, panos e cola já faziam parte da rotina dos vinte presos que trabalhavam com artesanato. Agora, a parceria com o Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas), que levou para o complexo duas professoras artesãs conhecidas pelo trabalho com bolsas, tornou o ofício dos internos mais qualificado e voltado para um público que aprecia peças exclusivas feitas com produtos e acabamentos mais refinados.
Foram apenas quatro dias de aulas intensivas, divididas em parte teórica e prática. Mas durante três meses as atividades práticas contaram com o acompanhamento das professoras, que semanalmente iam até a unidade prisional tirar dúvidas dos detentos e levar novidades. Para Júlio César Pereira, 32 anos, foi uma grande honra ter essa oportunidade dentro do complexo. “Eu já faço isso desde os noves anos de idade e pude compartilhar e aprender mais com uma pessoa que já tem experiência e é reconhecida na área. Aprendi muitas novas técnicas”.
As bolsas fogem dos padrões de artigos de crochês que conhecemos. Elas têm alças de correntes e são forradas com materiais impermeáveis. A produção de uma unidade pode demorar até uma semana pra ficar pronta. A empolgação dos internos durante o turno de trabalho é nítida, segundo o diretor de Atendimento e Ressocialização, Paulo Duarte. “Eles gostaram de aprender a fabricar bolsas e carteiras inspiradas em modelos internacionais e não imaginavam que aprenderiam algo de tanta grandeza”.
Os presos que participaram da capacitação já trabalhavam com artesanato no projeto de tapeçaria e puderam aprender mais técnicas de crochê e a lidar com novos produtos. A ideia de levar o curso para a Nelson Hungria partiu da gestora do projeto Segunda Chance do Servas, Aretuza Garibaldi. Foi depois de conhecer algumas tapeçarias produzidas por presos da Nelson Hungria que ela teve a ideia de levar o projeto das bolsas também para dentro do complexo prisional.
“Fiquei impressionada com a qualidade do trabalho deles, que é espontâneo mesmo sem técnica e acompanhamento. E pensei: o que eles são capazes de fazer com mais conhecimentos? Foi aí que procurei o diretor Paulo e começamos a articular o curso. É uma atividade em que eles podem efetivamente lucrar. O artesanato é uma vocação no nosso estado e a nossa intenção é contribuir com a reintegração dessas pessoas, qualificando-as para produzirem peças diferenciadas que fujam da mesmice do artesanato habitual” relata Aretuza.
As primeiras produções foram dadas de presente para familiares dos presos-artesãos. Mães, esposas, namoradas e irmãs foram as primeiras a terem as peças fabricadas dentro da unidade cem por cento por mãos de custodiados. Um deles é Douglas Alexandre dos Santos, 31 anos, que aprendeu a fazer artesanato na penitenciária.
“O mais legal de tudo foi a atenção e importância que elas deram para o projeto, além da disposição de virem até aqui voluntariamente e nos ensinar. Para mim foi gratificante poder aprender tudo que elas passaram. Vamos levar isso para nossas vidas e esperamos poder vender nossas peças, já que elas podem ser uma fonte de renda muito boa”, contou entusiasmado o aprendiz.
Servas e Seap
Os cursos de artesanato também foram realizados em outras duas unidades prisionais da capital e Região Metropolitana de Belo Horizonte. No Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto as presas aprenderam a fazer bonecas de pano. Já no Presídio Feminino José Abranches Gonçalves, em Ribeirão das Neves, a produção foi de tapetes feitos com retalhos.
Por Fernanda de Paula
Fotos: Divulgação Ascom