Marca criada dentro de unidade prisional ficou em terceiro lugar nas duas primeiras edições do concurso Ready To Go que revela novas empresas da moda de Minas Gerais
De uma pequena oficina instalada em uma sala do Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, em Belo Horizonte, saíram seis looks que estiveram presentes na noite passada, 08.04, no desfile de abertura da 24° edição do Minas Trend. Estiveram na passarela peças da nova coleção Gira Flor que trouxe as tendências da moda para as estações de primavera e verão. A Libertees, label com desenho e costura de detentas, participa pela quarta vez consecutiva do principal evento da moda de Minas Gerais, e um dos mais importantes do país. Desde sua criação, a marca vem ganhando atenção por seu trabalho social e desenho único, sendo escolhida duas vezes pelo estilista Ronaldo Fraga na curadoria Design de Autor do evento.
Ao som de Zélia Duncan, cantando clássicos brasileiros, as roupas que transmitem o tema do Minas Trend - Em Dias de Sol – trouxe para os olhares atentos de grandes nomes do mundo da moda vestidos, saias, shorts, t-shirts, macacões e chemises em tecidos solares leves e fluidos. Sem falar das estampas exclusivas produzidas a partir dos desenhos e pinturas das presas da penitenciária. Para Dani Queiroga, uma das criadoras, as roupas carregam consigo uma grande história: “Nossas peças vão além da beleza que se espera em um desfile de alta costura. Elas revelam o poder das mulheres e o potencial da moda para a transformação de vidas”.
A confecção instalada em novembro de 2018 no Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, junta educação, arte e trabalho, e criou esse projeto inovador que emprega atualmente nove presas e utiliza a produção das aulas de arte da unidade prisional para compor suas roupas. No ano passado, uma parceira entre a Libertees e o Senai Moda Tech disponibilizou um curso de costura para as presas se profissionalizarem. Além das que já trabalhavam na confecção, outras detentas também participaram da capacitação, num total de 20 alunas. A intenção das empresárias é contratar todas elas.
A união de dois temas da área de ressocialização é visto como essencial pela diretora de Atendimento da unidade prisional, Maristela Esmerio Andrade. “A empresa é muito parceira, sempre visualizou o potencial das presas, não apenas como funcionárias, mas como humanas. É muito bom a gente poder trabalhar integrado, de forma a libertar não só com a arte trabalhada em sala de aula, mas tecendo a própria liberdade nas peças produzidas. É catarse, liberação do eu entre telas e estamparia”.
Marcela Mafra, a outra dona da marca, relembra que o sonho só foi possível graças à parceria com o sistema prisional mineiro. “A Libertees não surgiu pronta com o intuito de aproveitar a penitenciária, foi totalmente inverso. As coisas foram sendo descobertas na unidade e a marca foi surgindo. Minha ideia sempre foi valorizar o trabalho do sistema prisional, mostrar o que tem de bom e não só as coisas ruins que são ditas por quem não conhece”, destaca Marcella.
Júlia Ferreira*, 29 anos, começou a trabalhar na confecção logo no início. A única coisa que já havia feito de costura antes de ser presa foi colcha de retalhos e ela garante que não sabia nada sobre as máquinas e os outros procedimentos. “Hoje, eu consigo trabalhar com tudo aqui, posso até não saber algo mas a Alessandra, nossa instrutora, sempre me ensina e ajuda. Tenho gostado muito de poder vir para cá todos os dias, para mim isso é libertador. Aqui dentro eu não me sinto presa, por alguns instantes me sinto livre. É tanta coisa que eu aprendo aqui que me transporta para outro lugar. Nunca imaginei ser possível algo assim dentro do sistema prisional”.
A marca já vendeu roupas para lojas no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e algumas lojas de Belo Horizonte também vendem as peças. A Libertees foi selecionada e está participando de um projeto da Federação de Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Apex- Brasil, que é uma consultoria de exportações. A intenção é que as peças produzidas no Complexo Penitenciário ganhem o mundo.
Início
Os desenhos que compõem a estamparia das peças da Libertees foram desenvolvidos ao longo do ano de 2017, num projeto intitulado Libertasse. Por meio de uma parceria entre a Subsecretaria de Humanização do Atendimento da Seap, o Núcleo de Ensino e Profissionalização da unidade prisional e a Escola Estadual Estevão Pinto, que funciona dentro do Complexo Penitenciário, os trabalhos foram orientados pelo professor de Artes, Éder Batista da Rocha, que é formado em Belas Artes e Arte-Educação pela Escola Guinard da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). “Em todo o trabalho está impressa a ideia de que as mulheres possam pensar-se para além de seu próprio mundo, reorientando suas vidas. Julgo indispensável que as capacidades se desenvolvam e as detentas se reconheçam como artistas, donas do processo criativo", destaca o professor Éder.
*Nome fictício
Por Fernanda de Paula
Fotos: Dirceu Aurélio