A revista “A Estrela”, lançada na ala LGBT do presídio de Vespasiano, trouxe textos carregados de emoção e fotos coloridas que contam histórias de sobrevivência e luta. Em março, dezessete custodiados participaram de uma oficina de Comunicação em que produziram o material. Nesta terça-feira, 27 de junho, véspera do Dia do Orgulho LGBT, esses detentos e detentas puderam ver o trabalho impresso.
Uma semana e uma sala. Foram nesse tempo e nesse espaço que os presos e presas aprenderam um pouco sobre o mundo jornalístico: aulas de fotos, textos e vídeos, misturados com a escolha do que falar para o público externo e como contar. Para Luiz Gustavo dos Santos, um dos participantes da atividade, a melhor parte foi a confiança recebida de todos os envolvidos. “É muito bom saber que existem pessoas que acreditam na gente, mesmo que nós tenhamos cometido erros. Isso nos incentiva, acende uma chama dentro de nós. Passamos a crer no nosso potencial e na nossa capacidade de mudança. Para mim, é isso que falta na humanidade: acreditar e ajudar o outro, independentemente das diferenças”.
Servidores da Subsecretaria de Humanização do Atendimento também estiveram presentes no evento. A Subsecretária da pasta, a defensora pública Emília Castilho, destacou a importância do projeto para o Sistema e como o retorno dessas ações é muito positivo. “Ressocialização pela arte é uma forma de resgate da essência perdida por essas pessoas privadas de liberdade. Nosso objetivo é que eles saiam pessoas melhores do que entraram”, afirmou Emília. Segundo o Diretor de Atendimento da Unidade, Fernando Gonçalves, esse e outros projetos têm um grande poder de transformação. “É preciso apenas uma sementinha ser plantada para que consigamos mudar a vida deles”.
Na capa da revista, Andressa Olga Jully ilustra a foto que transmite força e feminilidade e também traz em destaque as cores da bandeira LGBT. Ela foi Anderson por 50 anos, mas desde criança sabia que sua alma era feminina. Há cinco, assumiu e começou uma transformação. O nome atual é uma homenagem à mãe, que sempre representou para ela a bondade e a esperança. “Até tatuei o nome dela. Quando me vejo no espelho, eu a vejo. Nós temos o mesmo rosto. Estou muito honrada em poder participar dessa revista, assumindo minha verdadeira identidade. A vida da gente é imprevisível. Eu jamais imaginei que, num momento difícil como esse, eu poderia ter essa chance”.
A Estrela
O projeto foi criado em 2014 pela jornalista Natália Martino e pelo fotógrafo Leo Drumond, ambos da agência Nitro. A primeira edição da revista foi feita na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) de Itaúna, com pequenos apoios financeiros e investimentos do próprio bolso. Depois do sucesso na empreitada, eles começaram a buscar patrocínios e editais para viabilizar a produção de outras edições.
Em 2016, a dupla foi contemplada com uma verba do “Rumos Itaú Cultural”, que fomentou a produção de quatro revistas e uma exposição. Três já foram produzidas: uma na Apac de São João Del Rey, outra na Apac Feminina de Rio Piracicaba e a terceira no Presídio de Vespasiano. A quarta está em fase de revisão e foi feita no Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, em Belo Horizonte.
A ideia surgiu de projetos anteriores: uma revista feita durante um workshop com comunicadores e fotógrafos e de matérias escritas sobre o Sistema Prisional. Na tentativa de casar as duas coisas, nasceu “A Estrela”. Um dos objetivos principais é dar voz a essa população que, muitas vezes, não tem espaço na mídia convencional. “Cada vez mais, acreditamos que essas pessoas têm muito o que dizer. Estamos num momento crucial do Sistema Prisional brasileiro. Então, este é um momento em que as coisas estão sendo repensadas e debatidas. Trazer a fala dessas pessoas, que são diretamente interessadas no tema, acrescenta muito para o enriquecimento do debate”, contou Natália.
A edição feita no Presídio de Vespasiano é a primeira realizada em uma unidade do Sistema Prisional comum. A maior dificuldade encontrada pela equipe na ala LGBT foi conseguir canalizar a energia dos participantes. “Eu não tenho dúvida de que essa revista ficou muito linda, justamente pelo desafio que foi trabalhar aqui, com todas as restrições de espaço e deslocamento. Não foi possível praticar a fotografia externa, mas - por outro lado - a revista veio com uma cara de estúdio, quase que como uma revista de moda. Isso deu um diferencial para ela”, destacou Leo.
Para os idealizadores, a revista cumpre a função de dar voz a essas pessoas e trazer de volta a autoestima perdida. “Quando você dá oportunidades de expressão, seja pela fala ou pela história de vida e ainda pela poesia ou narrativa fotográfica, eu acho que a gente começa a diminuir um pouco as barreiras”, afirmou Leo.
As edições patrocinadas pelo “Rumos Itaú Cultural” ficarão expostas no prédio do Itaú Cultural, em São Paulo. Elas também estarão disponíveis no site projetovoz.com e no nitroimagens.com.br. Segundo Natália, a intenção é expandir o projeto para outras unidades prisionais. Inclusive, em outros estados.
Alas LGBT
Minas Gerais possui duas alas exclusivas para homossexuais, travestis e transexuais declarados. O objetivo é prevenir abusos e garantir que o cumprimento da pena ocorra sem constrangimento. Atualmente, essas alas funcionam na Penitenciária Jason Soares Albergaria, em São Joaquim de Bicas, e no Presídio de Vespasiano, ambos na Região Metropolitana da Capital. Nesses locais, que têm as paredes pintadas de rosa, os presos podem se maquiar, fazer as unhas, manter os cabelos compridos e são chamados pelos nomes sociais. A transferência para essas unidades acontece apenas mediante vontade do próprio detento.
Por Fernanda de Paula
Crédito fotos: Carlos Alberto Pereira/ Imprensa MG